Nunca foi tão necessário abordar temas de saúde mental e emocional. Mas, infelizmente, eles ainda são alvo de preconceito e tratados como tabus. O Setembro Amarelo surge como um movimento que propõe quebrar paradigmas, trazendo luz sobre esses temas, mostrando a importância de falar sim sobre o assunto.
Em nosso país, a Organizacional Mundial da Saúde (OMS) registra cerca de 14 mil casos de suicídio por ano. Entre os jovens de 15 e 29 anos, o suicídio é considerada a quarta maior causa de morte.
Por isso, falar sobre o Setembro Amarelo na escola é fundamental, pois é neste espaço que os estudantes têm mais segurança e oportunidade de falar e aprender sobre o tema, entendendo como podem pedir ajuda ou ajudar o próximo.
Mas o que é o Setembro Amarelo, afinal? É uma campanha anti-estigma de conscientização para prevenção ao suicídio. O movimento Setembro Amarelo foi organizado pela Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, em parceria com o Conselho Federal de Medicina – CFM, em 2014.
Desde então, a campanha acontece anualmente no mês de setembro, pois o dia 10 deste mês é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Em cada ano, o movimento tem um lema diferente. Em 2022, o Setembro Amarelo tem como lema “A vida é a melhor escolha!”.
Ressaltamos aqui a importância das escolas se preocuparem em promover continuamente ações voltadas à saúde mental e emocional, ou seja, durante todo o ano letivo e não só em setembro.
Contudo, como este é um mês de referência, no qual são feitas diversas ações de prevenção ao suicídio, no decorrer deste conteúdo trouxemos reflexões e dicas de como informar e discutir sobre esses temas no ambiente escolar.
Mas para ser assertivo na abordagem do Setembro Amarelo nas instituições de ensino, é preciso entender a importância da campanha, qual o papel da escola nesse sentido e como a instituição pode promover ações em prol do Setembro Amarelo na comunidade escolar. Continue lendo e saiba como a sua escola pode falar sobre o assunto!
Qual a importância do setembro amarelo?
O Setembro Amarelo traz à tona temas relacionados à saúde mental, tão necessários para quebrar paradigmas enraizados na sociedade, como o de que a vulnerabilidade é negativa, ou seja, que o correto é ser sempre forte.
Exemplo disso é a chamada positividade tóxica, que busca focar somente nas coisas boas, não encarando os problemas, não validando sentimentos como tristeza, por exemplo.
Essa prática acontece nos mais diversos ambientes, tanto físicos quanto digitais, e é capaz de adoecer as pessoas, podendo levá-las a desenvolver quadros de ansiedade e depressão.
Com crianças e jovens não é diferente. Esse público também sofre com cobranças externas, seja na relação familiar, ou na escola, local onde podem sofrer bullying, por exemplo.
Da mesma forma, elas sofrem com cobranças internas, como conflitos intrapessoais ou ao fazer comparação com colegas e familiares, sentindo-se inferiores e atrasadas.
Como se não bastassem tais situações, o uso das redes sociais agrava ainda mais esse problema, já que as redes mostram, em sua maioria, somente o que é bom e belo.
Não à toa, uma nova rede social vem ganhando força entre os jovens, o Be Real (Seja real, traduzindo para o português). Semelhante ao Instagram, a proposta do Be Reall é publicar o que se está fazendo no momento. Em contrapartida, a publicação é feita tal como ela é, independentemente de ser “instagramável” ou não.
A rede social é ainda mais ousada ao não incluir filtros para edição de fotos nas opções para o usuário. Interessante, não é mesmo? Afinal, a vida real não tem filtro.
De acordo com o Instituto Vita Alere “o suicídio é uma doença multidimensional, ou seja, é influenciada por vários fatores, como físicos, psíquicos, culturais, econômicos, sociais, situacionais e biológicos em uma pessoa que acredita no suicídio como a única solução para um problema.”
Assim, várias podem ser as causas que podem levar ao suicídio, como a passagem por momentos difíceis como o luto, traumas emocionais, conflitos familiares e problemas de saúde mental.
Dito tudo isso, trabalhar o setembro amarelo na escola é uma oportunidade de dar foco a um assunto que, como foi falado anteriormente, ainda é tabu e carece de informações confiáveis e seguras. Infelizmente, é na idade escolar que mais se percebe grande parte dos sinais relacionados a problemas de saúde mental.
Os dados reforçam a importância de falar do Setembro Amarelo
Um levantamento feito pela Azos, empresa brasileira de seguro de vida, apontou que, entre 2014 e 2019, houve um aumento de 28% no número de suicídios no Brasil, o que corresponde a 12,4 mil pessoas.
O mesmo estudo mostrou que, entre jovens de 11 e 20 anos, o aumento foi ainda maior: 49,6% de pessoas nessa faixa etária cometeram suicído nesse período.
Como mencionamos antes, depressão e ansiedade não estão, necessariamente, correlacionadas ao suicídio, mas podem intensificar esse risco.
Quando olhamos para dados relacionados aos problemas de saúde mental, estima-se que de 10% a 20% dos adolescentes vivenciam a depressão. O público infantil também é acometido pela depressão. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, nos últimos 10 anos, os casos de depressão entre crianças de 6 a 12 anos aumentaram de 4,5% para 8%.
De outro lado, ainda temos um fator significativo que requer atenção das escolas: a automutilação, crescente nas instituições nos últimos anos. Dados da OMS apontam que até 60% dos adolescentes podem cometer autolesão não suicida.
Vale lembrar que, infelizmente, a automutilação acontece também no ambiente digital, sinal de alerta para escolas e famílias. Estudos feitos em 2021 pela Network Contagion Research Institute e Rutgers University apontaram que na rede social Twitter houve um aumento de 500% nas hashtags relacionadas ao assunto de automutilação.
Para mais detalhes sobre o assunto da automutilação, recomendamos a leitura deste ebook gratuito, de autoria de especialistas em Enfermagem Psiquiátrica da USP – Universidade de São Paulo.
O impacto da pandemia da Covid-19 na saúde mental de crianças e adolescentes
Por fim, não podemos deixar de mencionar o impacto que a pandemia da Covid-19 trouxe para a vida das pessoas, principalmente quando falamos de saúde mental. Especificamente para os estudantes, alguns estudos* evidenciam tais impactos, como os abaixo:
Segundo pesquisas feitas pela Secretaria da Educação de São Paulo, em parceria com o Instituto Ayrton Senna:
- 69% dos estudantes da rede estadual paulista relatam ter sintomas ligados à depressão e ansiedade;
- 5,7% dos estudantes relatam presenciar violência psicológica com muita frequência e outros 3,8% afirmam presenciar violência física em casa com muita frequência.
De acordo com pesquisa do Datafolha, encomendada por Itaú Social, Fundação Lemann e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID):
- 34% dos estudantes estão com dificuldade de controlar suas emoções desde que voltaram a ter aulas presenciais de acordo com seus pais; esse percentual sobe para 40% no Ensino Médio;
- 24% dos alunos estão se sentindo sobrecarregados e 18% estão tristes ou deprimidos, de acordo com os responsáveis;
- Apenas 40% dos estudantes estão recebendo algum tipo de apoio psicológico nas escolas.
*Dados extraídos da matéria “Crise de saúde mental nas escolas: ‘Alunos estão deprimidos, ansiosos, em luto e faltam psicólogos’”, publicada pelo Correio Braziliense.
Diante desse cenário preocupante, qual o papel da escola na prevenção ao suicídio e aos quadros de saúde mental? Confira no próximo tópico.
Qual o papel da escola no Setembro Amarelo?
Se é na escola que crianças e jovens passam uma boa parte de suas vidas e se é também nesta faixa etária que elas estão mais suscetíveis ao desenvolvimento de problemas relacionados à saúde mental, o papel da escola é:
- Informar: levando, de forma segura, conhecimento sobre a temática de saúde mental e emocional para toda a comunidade escolar.
- Identificar: percebendo sinais e comportamentos que podem indicar que os estudantes estão passando por problemas de saúde mental.
- Acolher: estando disponível e, principalmente, escutando ativamente os estudantes e toda a comunidade escolar;
- Agir: orientando e encaminhando estudantes e famílias para um apoio/ajuda especializada.
Entendo que solidariedade é enxergar no próximo as lágrimas nunca choradas e as angústias nunca verbalizadas. – Augusto Cury
Vale lembrar da importância de abordar os temas relacionados à saúde mental durante todo o ano letivo, especialmente em setembro, mês em alusão à campanha Setembro Amarelo. Veja algumas maneiras de a escola trabalhar este assunto e também de prestar apoio à causa:
- Conscientizar toda a comunidade escolar: promover ações de conscientização e sensibilização para estudantes, famílias e profissionais escolares. Toda a comunidade escolar deve ser envolvida para potencializar a rede de apoio.
- Informar os canais de acolhimento e ajuda: em toda ação, e até mesmo nos meios de comunicação que a escola utiliza para se comunicar com estudantes e famílias, deve constar os canais para pedido de ajuda, como o CVV – Centro de Valorização à Vida.
- Envolver os profissionais especialistas no assunto: é imprescindível que a escola conte ainda mais com o apoio dos profissionais especializados no tema, tais como os orientadores educacionais e psicólogos escolares.
- Apoiar o desenvolvimento de competências socioemocionais: durante o Setembro Amarelo, a escola pode reforçar atividades que desenvolvam as competências socioemocionais, como leituras coletivas, atividades maker, mostra de artes e cultura.
E por falar em competências socioemocionais, recomendamos que você ouça uma entrevista concedida ao Programa Show da Cidade da Rádio Liberdade (Caruaru/PE), com participação de Veruska Alves, nossa head pedagógica.
Quais são os canais de atendimento para prevenção ao suicídio?
Antes de falar dos canais, é importante destacar três medidas de atendimento: prevenção, posvenção e emergência:
- A prevenção, como o próprio nome já indica, busca promover ações que evitem o suicídio.
- A posvenção tem como objetivo prestar apoio aos enlutados devido ao suicídio de um ente querido.
- A emergência busca prestar apoio em caráter imediato, nos casos em que há tentativa de suicídio.
Nesse sentido, podemos separar os canais de atendimento seguindo cada caso:
Prevenção e posvenção:
- Pode Falar: é um canal voltado a jovens de 13 a 24 anos, que atende via WhastApp;
- Ame sua Mente: entidade que tem como objetivo promover a saúde mental no ambiente escolar, apoiando educadores com orientações e materiais de sensibilização;
- Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio: instituto que promove diversas ações em prol da saúde mental e para prevenção e posvenção do suicídio;
- Mapa da saúde mental: equipe de psicólogos e profissionais da área da saúde e educação, que buscam promover ações de saúde mental, prevenção e posvenção ao suicídio. Disponibilizam diversas orientações sobre serviços públicos de saúde mental em todo o Brasil.
Emergência:
- Centro de Valorização à Vida (CVV) ou ligue no número 188: realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias;
- Unidade Básica de Saúde, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e SAMU (conforme cada região).
Diante de uma tentativa de suicídio, ligue:
- 193 – Bombeiros
- 192 – SAMU
- 190 – Polícia Militar
Como trabalhar o Setembro Amarelo na escola?
Mas, afinal, como falar sobre o Setembro Amarelo na escola? Quais atividades são possíveis de se fazer para engajar e conscientizar a comunidade escolar?
É importante promover atividades que envolvam todos: alunos, professores, funcionários escolares e as famílias, uma vez que todos devem se engajar para tratar desse tema tão importante, seja para apoiar o outro ou a si mesmo.
Nesse sentido, é fundamental que a escola crie atividades e ambientes que inspirem confiança, acolhimento e proteção. Esses espaços proporcionam o compartilhamento de experiências, opiniões ou simplesmente oportunidades de ouvir o outro e entender como prestar ajuda.
“As grandes dores são mudas.” – Khalil Gibran, escritor, pintor e poeta libanês.
Destacamos também a importância de ensinar as crianças, desde pequenas, a falar sobre as próprias emoções e sentimentos. Isso é importante para que elas consigam entender as diferenças entre os dois.
Afinal, crianças que têm maior controle emocional, são mais preparadas para os desafios futuros, como também, entendem melhor seus próprios sentimentos. Confira algumas dicas de atividades que você pode fazer na sua escola:
Proposta de atividades para os alunos:
- Rodas de conversa, seminários ou debates;
- Fóruns de discussão online;
- Apresentações artísticas que promovam reflexões sobre o tema;
- Cartilhas, cartazes, banners e outros materiais para conscientização;
- Dinâmicas em grupos;
- Projetos escolares;
- Palestras com especialistas;
- Acompanhamento psicológico e de orientação/mentoria;
- Sessão de cinema na escola;
- Hora da leitura;
- Atividades extracurriculares que estimulem a prática de atividades de lazer e de exercícios físicos, reforçando a importância do esporte na vida escolar.
Também é importante trabalhar as cinco competências socioemocionais previstas na BNCC, integradas ao plano pedagógico escolar, criando uma cultura pró-saúde mental na comunidade. Para isso, é interessante fazer uso do PPP (projeto político-pedagógico), assegurando que estas ações sejam prescritas por lá.
Um trabalho consistente das competências socioemocionais, que conversem com as competências cognitivas presentes nas diferentes disciplinas, permite ao aluno ter uma visão de mundo mais ampla, além de mais repertório escolar.
Vale destacar, ainda, as autoavaliações e o trabalho a partir de rubricas, que permitem aos estudantes se conhecerem melhor em termos de habilidades e, inclusive, se verem dentro do processo de ensino-aprendizagem.
Por último, lembre-se de valorizar as iniciativas dos próprios estudantes em relação à saúde mental, obviamente tutoradas e acompanhadas pelos educadores.
Para acompanhar se os estudantes estão de fato interagindo com os conteúdos propostos pelo professor, uma boa pedida é usar uma plataforma de gestão da aprendizagem (ou LMS – Learning Management System).
Essa ferramenta é capaz de medir o nível de engajamento dos alunos, podendo ser usada em diversas propostas de ensino-aprendizagem, como os fóruns de discussão online, projetos escolares e outras.
Proposta de atividades para os profissionais da escola:
- Oficinas de capacitação para professores;
- Abordagem do tema nas formações continuadas;
- Cartilhas, cartazes, banners e outros materiais para conscientização;
- Palestras com especialistas;
- Treinamento com trilhas de aprendizagem sobre o assunto;
- Treinamento com especialistas da própria escola, como orientadores educacionais e psicólogos escolares;
- Parcerias para oferecer apoio psicológico aos educadores;
- Momentos de troca com educadores de outras instituições para compartilhar vivências.
Além das atividades listadas acima, direcionadas ao conhecimento sobre como lidar com os estudantes e famílias, a escola pode oportunizar também atividades voltadas à uma melhor qualidade de vida dos profissionais da instituição.
Por exemplo: é possível promover ginástica laboral, mini sessões de meditação gratuitas e terapias integrativas (reiki, yoga e outras). Essas práticas auxiliam na promoção da saúde mental, incentivando também a prática de exercícios físicos.
Da mesma forma, a instituição pode firmar parcerias com outras entidades para que os profissionais escolares possam buscar esses momentos fora do ambiente de trabalho. Ou, ainda, proporcionar um benefício de terapia online, com um custo mais acessível aos colaboradores.
Por fim, a instituição precisa prover ações que estimulem a criação de um ambiente seguro, acolhedor e aberto para falar sobre saúde mental. Todo esse processo faz parte da construção de uma cultura que acredita que um profissional que está bem consigo mesmo consegue apoiar melhor estudantes e famílias.
Proposta de atividades para as famílias:
- Rodas de conversa;
- Convite para prestigiar as apresentações artísticas que promovam reflexões sobre o tema;
- Cartilhas, cartazes, banners e outros materiais para conscientização;
- Palestras com especialistas;
- Orientação sobre como abordar o tema em casa;
- Participação geral nas atividades feitas com os estudantes.
Confira a “Carta aos Pais” preparada pelo movimento Setembro Amarelo.
Para comunicar os eventos aos responsáveis, é interessante construir um calendário e divulgá-lo com antecedência. Dessa forma, as famílias podem se preparar para participar desses momentos.
Vale enviar lembretes próximos às datas. Um aplicativo de comunicação pode apoiar essa comunicação em massa, garantindo a entrega das mensagens e permitindo o acompanhamento do recebimento e leitura.
A escola pode ainda participar da campanha Setembro Amarelo publicando sobre o tema em suas redes sociais, site e outros canais que achar pertinente.
Se chegou até aqui, você deve ter percebido o quão importante é trabalhar o Setembro Amarelo na escola, não é mesmo? Que tal saber um pouco mais sobre o que é a educação socioemocional e como ela contribui no apoio a esta campanha?
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